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Como dois ceramistas brasileiros conquistaram restaurantes em Portugal

jul 9 2023

Gabi Neves e Alex Hell se mudaram para Portugal em 2018. Naturais da cidade de São Paulo, os dois se conheceram numa agência, onde ela trabalhava como designer e ele como publicitário. Mas o amor pela gastronomia levou o casal a se apaixonar por cerâmica e mudar de vida.

Em 2008, eles criaram o Studioneves, um ateliê onde começaram a produzir cerâmica artesanal: pratos, travessas, copos, xícaras, peças exclusivas para restaurantes brasileiros. “Na maioria dos casos, eu diria que são peças mais rústicas, mais naturais e mais orgânicas. Nada certinho, nada com ângulo, nada reto. Muito pelo contrário”, diz Gabi Neves.

Ela faz os desenhos e os moldes, enquanto Alex é responsável pelo vidrado, substância aplicada para revestir cada peça. Os vidrados, explica, “não são só bonitos. Eles [também] têm de suportar a acidez dos molhos que os chefs vão usar, a adstringência [do sabão] da máquina de lava-louça e os riscos das facas”.

Incentivo do chef Alex Atala

Nos primeiros anos de trabalho no Brasil, a dupla se dedicou a aprimorar a cerâmica artesanal que produzia. Começou, inclusive, a importar argila mais resistente dos Estados Unidos. Com o intuito “de empoderar todo um setor”, conta Alex, o casal passou a vender parte da matéria-prima para concorrentes, fazendo com que mais ceramistas trabalhassem com argila de alta qualidade. “A gente acabou transformando o mercado num mercado mais profissional, e no final, todo mundo ganhou com isso”, ressalta.

Quando chegou ao quarto ano de funcionamento, o Studioneves recebeu o que não esperava: uma encomenda do chef brasileiro Alex Atala, dono do restaurante D.O.M., premiado com duas estrelas do Guia Michelin.

“Naquele momento de 2012, Alex Atala era o grande nome da gastronomia mundial. Ele dava muito orgulho e também muito medo, porque a gente sabia que era muito importante”, lembra Hell, que reconhece que o casal desconhecia o universo da alta gastronomia. Gabi, por sua vez, lembra de que “não tinha tanto repertório de criação de peças” à época que conheceu Atala, mas quando desenhou as coleções para o restaurante do mais famoso chef brasileiro, pôs “as coisas que achava que faziam sentido e que eu era capaz de fazer naquela altura”, revela a ceramista.

No final, deu tudo tão certo, que todas as criações do Studioneves inspiradas no menu do D.O.M. foram aprovadas por Atala, “e não só”, diz Hell com entusiasmo: “Dali a pouco tempo, os chefs que seguiam o Alex Atala naquele momento, e que eram chefs de todos os estados brasileiros, começaram a ligar para gente dizendo ‘Eu sei que vocês fizeram as peças pro Alex [Atala], e eu quero que vocês façam pra mim também’.”

Hell reconhece que há um Studioneves antes e depois daquela encomenda. “Não é mais uma questão de qual é o chef mais importante ou mais estrelado, mas é a pessoa que mais teve um fator transformador na nossa história”, ressalta o ceramista se referindo a Atala.

O auge e a saída do Brasil

Com a fama do Studioneves se espalhando pelo Brasil, o negócio parecia não parar de crescer. Em 2017, Gabi e Alex contavam com uma equipe de oito pessoas, sete fornos e um ateliê com uma estrutura que mais parecia “uma fábrica de cerâmica dentro da cidade [de São Paulo]”, conta o ceramista. Naquele ano, o Studioneves fornecia para 220 restaurantes, e o faturamento havia dobrado em relação ao ano anterior. “A gente costuma dizer que a gente não inventou a roda, mas eu tenho certeza de que nós tivemos um papel muito importante nessa ascensão da cerâmica artesanal no Brasil”, reconhece Alex Hell.

O trabalho estava no auge, mas a família já sofria com a insegurança na cidade de São Paulo. Depois houve um assalto à mão armada, e um dos filhos do casal estava no carro. Gabi e Alex não pensaram duas vezes: decidiram fechar o ateliê e deixar o país.

A mudança para Portugal aconteceu há cinco anos, e começar do zero não foi fácil. Na Europa, “ninguém sabia quem a gente era”, diz Alex. “Ir até um restaurante com uma maletinha e perguntar ‘posso mostrar meu trabalho?’… Esse recomeço foi duro, porque tirou a gente completamente de uma zona, que já era uma zona de conforto”, se recorda.

Studioneves em terras lusitanas

Foi no município de Cascais, distante cerca de meia hora de Lisboa, que Gabi e Alex encontraram, em 2018, o espaço para montar o novo Studioneves. Em Portugal, descobriram até uma argila de alta qualidade para a produção das peças.

“Aos poucos, as coisas foram entrando nos trilhos, e hoje o Studioneves conta com mais de 70 restaurantes [entre seus clientes]”, comemora Hell. Para Gabi, “recomeçar na Europa, então, foi um bônus”.

As louças do ateliê estão nas mesas de alguns dos melhores restaurantes do mundo. E para atender a demanda local, de outros países europeus e até do Japão, os ceramistas produzem, em média, 1.500 peças por mês com a ajuda de uma equipe de sete pessoas. Para responder às necessidades dos chefs de cozinha, o casal cria louças que se adaptam ao menu.

Segundo Hell, há chef que já chega com uma ideia na cabeça, dizendo ‘quero uma peça de tal diâmetro, com tal profundidade, porque eu vou colocar tal comida com tal molho. É importante que tenha tal cor para contrastar com tal comida que eu vou colocar?. Também há chef que convida o casal para jantar no restaurante e, ao final, dá total liberdade para os ceramistas criarem o serviço de mesa inspirado no menu. Mas Gabi deixa claro: “o que tá valendo ali é a comida. Então, o prato não tem que ser a obra de arte, ele tem que ser o que segura a obra de arte, ele não toma lugar”.

“Ateliê verde”

Para adotar práticas ambientalmente sustentáveis no negócio, Gabi e Alex instalaram um reservatório para captar água da chuva, que serve para limpar o ateliê, as ferramentas e para fazer os vidrados. Depois que compraram um painel solar, também deixaram de gastar energia elétrica durante os processos de queima das peças. Além disso, as sobras de argila vão para a máquina de reciclagem, e não para o lixo. “O meu descarte vai próximo a zero hoje em dia. Então, eu perco quase nada”, garante Alex Hell.

Ano passado, o ateliê ganhou o selo B Corp, uma certificação dada a empresas comprometidas com a sustentabilidade social e ambiental. Segundo Hell, atualmente, há clientes “que por acaso compram de nós, porque, apesar de outros fatores, somos muito sustentáveis e temos o selo para poder provar isso”.

 

FONTE: Este conteúdo foi originalmente publicado pelo UOL, uma empresa brasileira de conteúdo, produtos e serviços de Internet. É o maior portal do Brasil.

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