O presidente da Associação de Blockchain e Criptomoedas considera exagerada a ideia de que Portugal atrai estrangeiros pela não tributação de criptomoedas, defendendo que o que os atrai é um regime fiscal global favorável aliado a condições como o clima.
“É uma questão que é um pouco ilusória. Não são as criptomoedas, é a lei fiscal. Qualquer cidadão não português que venha viver para Portugal tem uma bonificação grande em termos de impostos, o país é atrativo por isso e pela gastronomia, pelo turismo, pelo clima, as criptomoedas vêm no pacote. Não há nada a pagar [pelas mais-valias] em criptomoedas porque não há lei, mas mesmo em outros tipos de geração de riqueza [os estrangeiros] pagam pouco”, disse o presidente da Associação Portuguesa de Blockchain e Criptomoedas, Fred Antunes, à Lusa.
O responsável acrescentou que as pessoas que detêm criptmoedas geralmente não as liquidam (ou seja, não convertem em moeda fiduciária soberana, como euros), pelo que não geram mais-valias (ou menos-valias) e também porque sabem que a qualquer momento a lei pode mudar.
“Portugal é atrativo como país, eu tenho vários amigos e empresas que se mudaram para cá, mas não tem a ver com as mais-valias, são as condições turísticas do país, as condições tecnológicas, a exposição que a ‘web summit’ deu. Não é por causa das mais-valias em Bitcoin. As mais-valias são mais sensacionalismo das notícias do que realidade”, frisou.
Fred Antunes considerou que um dos fatores que faz a diferença é as empresas que operam no setor das criptmoedas poderem obter licença do Banco de Portugal e daí poderem operar em toda a União Europeia, considerando isso uma vantagem para Portugal porque muitos desses empresários preferem viver aqui do que em outros países que, considerou, têm condições menos agradáveis, desde logo de clima.
Fred Antunes disse que conhece a chamada ‘Bitcoin family’ há três anos, desde que está em Portugal, e a sua ideia de criar uma aldeia de investidores em criptomoedas, e considera que as razões da mudança são, sobretudo, por o Algarve ser mais agradável para viver do que a Holanda, de onde são originários, e por toda a menor tributação de impostos em termos geral, não necessariamente pela não tributação de mais-valias de criptomoedas.
Para o presidente da Associação Portuguesa de Blockchain e Criptomoedas, Portugal continuará a atrair empresas e residentes estrangeiros mesmo que passem a ser tributadas as mais-valias de criptomoedas e considerou que o país precisa é de ter “condições do ponto de vista de criação e geração de valor que continuem a ser atrativas mas para os portugueses”, considerando ainda que é muito difícil a relação deste setor com a Autoridade Tributária, que – acrescenta – compreende mal esta nova realidade.
A Associação Portuguesa de Blockchain e Criptomoedas tem 800 associados, disse, maioritariamente pessoas individuais, mas também algumas empresas.
Fred Antunes é também presidente executivo da ReafFevr, uma empresa sediada em Lisboa que vende saquetas virtuais com vídeos dos melhores momentos do futebol (como se fossem os tradicionais cromos de futebol, mas em vez das caras de jogadores vende momentos, como o golo de Ronaldo frente ao Mireirense.
Os pacotes desses ‘cromos’ são comprados em criptomoedas e custam entre 10 a 15 dólares os pacotes básicos e de 100 a 150 dólares os pacotes que têm dentro os momentos mais raros. Depois, como acontece os tradicionais cromos, os detentores desses vídeos podem vendê-los entre si e os mais procurados já foram vendidos a muitos milhares de dólares, disse à Lusa.
A empresa de Lisboa, onde trabalham 40 pessoas, é detida em 50% pelos funcionários e os outros 50% são fundos e indivíduos portugueses e internacionais.
Atualmente, disse, a empresa tem 111 mil utilizadores ligados à sua plataforma e espera ter terminado 2021 com volume de negócios de cerca de 10 milhões de dólares (cerca de 8,8 milhões de euros à taxa de câmbio atual).
Ainda na conversa com a Lusa, Fred Antunes negou a ideia de que as criptomoedas sejam fundamentais em lavagem de dinheiro, tráfico de droga, armas e de seres humanos e financiamento ao terrorismo porque — disse — todas as transações ficam registadas na rede e são públicas e quem faz esse tipo de negócios não quer deixar registos.
Fiscalistas: Portugal deve aproveitar para consolidar ambiente ‘crypto-friendly’
O entendimento do fisco sobre tributação de mais-valias geradas pelas criptomoedas data de 2016, continuando até hoje sem alterações, e fiscalistas defendem que, a haver mudanças, Portugal deve aproveitar para consolidar o ambiente ‘crypto-friendly’ existente.
De uma forma geral, os rendimentos gerados pela venda ou troca de moeda virtual, quando obtidos por pessoas singulares e fora de uma atividade empresarial ou profissional, não são tributados em sede de IRS já que não existe no Código deste imposto uma norma de incidência objetiva que permita tributá-los.
Em resposta à Lusa, fonte oficial do Ministério das Finanças precisou, com base no entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), que quando a venda de criptomeodas constitui uma atividade empresarial ou profissional do contribuinte, existe lugar a tributação de IRS em sede de categoria B.
Porém, “em sede de Categoria G de IRS (mais-valias), a venda de criptomoedas não é atualmente tributável, considerando que não estão expressamente listadas nas operações consideradas geradoras de mais-valias, uma vez que as criptomoedas não são consideradas um câmbio ou divisa aceite como meio legal de pagamento”.
Ao nível do IVA, refere a mesma fonte oficial do Ministério das Finanças, a venda de criptomoedas “beneficia da mesma isenção de imposto aplicável à venda de divisas, por força de Acórdão do TJUE nesse sentido (Acórdão David Hedqvist de 22 de outubro de 2015 – C 264/14)”.
Para as juristas especialistas em direito fiscal da Abreu Advogados, Alexandra Courela e Susana Duarte, “é inegável que, não obstante todas as incertezas geradas pela falta de regulamentação legal e fiscal, Portugal continua a atrair muitos investidores em criptomoedas e outros ativos digitais”, ainda que considerem que “esta situação de falta de regulamentação não pode manter-se por muito mais tempo”.
Neste contexto, afirmam, o legislador “tem a oportunidade” de posicionar Portugal à frente de outros países, “aproveitando e consolidando o ambiente ‘crypto-friendly’ que já existe hoje, fruto também de iniciativas, como a Web Summit e da criação de diversos ‘tech hubs’ pelo país”.
“É importante que o legislador esteja ciente que um regime que seja fortemente penalizador das criptomoedas e de outros ativos digitais pode ter como efeito a procura de outras jurisdições, com a consequente reversão do investimento feito no digital em Portugal”, referiram à Lusa, lembrando que a tecnologia da blockchain subjacente [às criptomoedas] vai muito além daquelas e tem inúmeras aplicações práticas.
Susana Estêvão Gonçalves, associada coordenadora de Direito Fiscal da CMS Rui Pena & Arnaut, refere, por seu lado, que, “em matéria de IRS, vigora um princípio de tipicidade, nos termos do qual apenas são tributados os factos tributários especificamente previstos (tipificados) no Código do IRS”.
Assim, ao contrário do que sucede com as mais-valias geradas pela venda de valores mobiliários (como ações, por exemplo) que estão integrados no elenco da definição de mais-valias previsto no Código do IRS, “os rendimentos da venda ou troca de criptomoedas não encontram enquadramento nem nesse elenco (categoria G) nem na definição de rendimentos de capital (categoria E)”.
A jurista sublinha, contudo, que esta inexistência de tributação dos rendimentos de criptomoedas, “não resulta de uma política fiscal ativa neste sentido, e que é não só possível como expectável que, em breve, estes rendimentos passem a ser tributados”.
Já Luís Leon, cofundador da consultora ILYA, chama a atenção para outros desafios que a nova realidade coloca e que não estão resolvidos. Ainda que concorde que a mineração possa ser considerada uma atividade — através da qual se obtém rendimento com as moedas virtuais – não existem propriamente clientes e a remuneração é auferida em ‘tokens’ através da rede (que não é um entidade jurídica).
FONTE: Este conteúdo foi originalmente publicado pelo Diário de Notícias, um jornal sediado em Lisboa e fundado em 1864.