Muitos são os estrangeiros que têm a segunda casa em Portugal, em geral são reformados europeus que aqui vêm passar grandes temporadas durante o ano: ingleses, franceses, suecos, italianos, espanhóis, holandeses, etc. Alguns até fazem da residência portuguesa a primeira, visitando frequentemente os países de origem. A pandemia alterou esta realidade e muitos optaram por permanecer no domicílio português. As restrições do transporte aéreo e as medidas de confinamento a isso obrigaram, mas há quem tenha ficado por se sentir mais protegido contra a covid-19.
“Neste ano, optámos por não viajar, ficámos muito mais tempo em Portugal. Não só porque as deslocações são complicadas mas porque nos sentimos bem e em segurança. O governo português teve boas medidas e aplicou-as bem”, disse ao DN Eva Wigren, 67 anos.
Eva é uma sueca de Estocolmo que se fixou há cinco anos em Cascais com o marido depois de se reformar do seu cargo de direção. Viajava até Estocolmo cinco a seis vezes por ano. O seu caso é idêntico a muitos outros estrangeiros que compraram casa em Portugal para desfrutar do clima e da paisagem, frequentadores assíduos do golfe da Quinta da Marinha, em Cascais.
As jogadoras concentram-se no swing para garantir a melhor tacada na Liga Weekly, o torneio feminino. Um dos grupos é constituído por suecas e uma japonesa. Madalena Algotsson, 60 anos, elogia não só as autoridades públicas como a atitude da população. “Estamos muito bem, sentimo-nos muito seguros. Os portugueses comportam-se muito bem, usam sempre a máscara, são cumpridores das regras. Na Suécia, a máscara não é obrigatória no exterior além de que as pessoas não cumprem as regras. Uma das razões por que me mantive por cá é por causa do bom comportamento dos portugueses”. Também trocou Estocolmo por Cascais há três anos.
Completam o grupo, Christel Molinder, uma sueca de 63 anos que nasceu em Gutenberg mas passou a vida adulta na capital, e Rié Kikuoka, 60, de Nagoya, Japão. Partilham da opinião sobre o clima de segurança face à covid-19 em território português e evitaram as deslocações para fora do país. Circulação que teve muitas limitações, também, pelas medidas de confinamento impostas nos seus países.
“Só podemos entrar no Japão com um teste negativo e, mesmo assim, temos de ficar duas semanas num hotel. Não podemos apanhar transportes públicos”, lamenta Rié. Sente-se segura a nível sanitário mas nem todos os residentes em Portugal lhe merecem elogios. “Há muitos jovens que não usam máscara”, protesta.
Christel confia nas autoridades portuguesas. “Portugal está muito melhor do que a Suécia, onde há menos restrições e, neste momento, tem muitas pessoas infetadas. Foi uma boa opção ficar por cá.”
Os dados deste domingo indicavam 938 342 cidadãos na Suécia que testaram positivo à covid, o que dá 92 442 por um milhão de habitantes, proporção acima da portuguesa (82 030). O país não impôs restrições no início da pandemia, apostando na imunidade de grupo, estratégia que as autoridades de saúde alteraram dada a progressão rápida do SARS-Cov-2 e a sua gravidade. O Japão tem um total de 546 425 casos – representa 4331 por milhão de residentes.
Califórnia da Europa
Eva e as amigas conheceram-se em Cascais, vila que já foi apelidada de “Califórnia da Europa” e “Riviera”. Ali têm residência 30 328 cidadãos estrangeiros, o que representa 14,2% da sua população (213 608 pessoas). Segundo o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) vivem em Portugal 4912 suecos e 16,3% no concelho.
O grupo de jogadoras vai esperar calmamente pela vez na vacinação, só depois pensam voltar a viajar. Eva Wigren concorda com o estabelecimento de prioridades do plano de vacinação nacional: “Definiram categorias, primeiro os profissionais que lidam diretamente com os doentes de covid-19. Entretanto, alargaram o leque às pessoas de mais idade, também com maiores problemas de saúde”, justifica.
Da França, mas de Paris, veio há dois anos Jean Brunel, agora com 60. Tem casa em Lisboa e passa uma boa parte do tempo no campo de golfe da Quinta da Marinha, com vista para o Atlântico. “Tem o melhor percurso de Portugal [18 buracos] e o segundo melhor da Europa”, assegura.
Jean Brunel não foi a Paris no último ano. “Preferi ficar por Portugal, sinto que há mais segurança e disciplina. As medidas que foram implementadas tiveram resultados muito rapidamente, o número de infetados tem vindo a decrescer regularmente, o que demonstra que as pessoas são respeitadoras das regras. Estou sempre a comparar os números e, neste momento, o país está muito melhor do que outros europeus, particularmente a França.”
Mehdi Benlahcen, o conselheiro da comunidade francesa no país, é da mesma opinião. “Neste momento, a situação está mais controlada em Portugal. Teve dois meses em que esteve muito mal, especialmente em janeiro, mas o número dos novos casos começou a baixar e de forma consistente. Em França, as medidas são muito flexíveis e a diminuição tem sido mais lenta, com altos e baixos.” Sublinha, no entanto, que só no final de a pandemia estar controlada a nível mundial é que se vai perceber qual foi a melhor estratégia de combate à progressão do SARS-CoV-2.
“Tem, também, que ver com as variantes. A variante britânica chegou primeiro a Portugal do que a França e, agora, está a instalar-se no território francês, daí o número de novos casos estar a aumentar tão rapidamente. Entre outubro e março, houve um confinamento parcial em França, o que conteve as novas infeções”, explica.
O conselheiro viu os franceses reduzirem significativamente as viagens, gerindo as deslocações consoante as restrições impostas pelos governos. “Os franceses vão a França quando está tudo fechado em Portugal e regressam a Portugal quando diminuem as restrições de circulação em França. Houve quem viajasse depois do verão para o território francês e voltasse em outubro”, explica.
Mehdi Benlahcen chegou a Portugal em 2008 , é professor de Economia no Liceu Francês Charles Lepierre. Como conselheiro da comunidade francesa, deslocava-se todos os meses a Paris, o que reduziu a três vezes no ano passado.
“A grande dificuldade foi a anulação dos voos e as restrições nas fronteiras. Quem chega de França é obrigado a fazer quarentena, o que impossibilita as deslocações, sobretudo para quem está a trabalhar.”
O conselheiro está mais em contacto com quem trabalha do que com quem emigrou na idade da reforma. Muitos dos que aqui trabalham têm os problemas dos restantes habitantes, nomeadamente a perda de rendimentos.
A França é o quarto país a nível mundial com mais casos de covid-19 – 5,5 milhões (5 498 606), mais de 30 mil por dia. Ligeiramente acima de Portugal na taxa de infetados por por milhão de habitantes: 84 079 . O SEF indica 23 125 franceses com autorização de residência em Portugal, mas Mehdi estima que sejam 50 mil.
“Deviam estar orgulhosos”
“Portugal é um país maravilhoso, a paisagem, o tempo, as pessoas, a comida. Deviam estar orgulhosos do vosso país. É muito seguro, é maravilhoso.” As palavras são de Bengt Handersson, 65 anos, que tem casa no centro de Cascais e o barco atracado na marina, em frente, e onde prefere passar os dias e muitas noites. É natural de Estocolmo e vive há sete anos em Portugal.
Conta-nos uma história para justificar a preferência pela vila. “Tenho um amigo marinheiro com mais de 30 anos de vida no mar. A extensão que percorreu no mar é como se tivesse dado oito voltas ao mundo. Chegou a Cascais e disse: “É um dos melhores lugares que vi na minha vida”.”
Bengt conheceu Portugal nas viagens de férias, agora não o troca pela Suécia, onde já vai muito raramente, mesmo antes da pandemia Vive aqui com a companheira. Os filhos, dois rapazes, habitam na Suíça e mais frequentemente são eles a deslocarem-se a Portugal. No último ano, as poucas visitas ao estrangeiro foram reduzidas a zero. “Acabei por ficar por cá. Até porque a situação está melhor em Portugal do que na Suécia. Estou sempre a comparar os números dos dois países e verifico que a realidade aqui no que diz respeito à covid-19 é melhor. Fiz a escolha certa”, diz.
Os britânicos são uma comunidade importante em Cascais, sendo bem visível a sua presença, basta ver os pubs que se espalham pelo centro da vida. As autoridades portuguesas registam 2033 naturais do Reino Unido no concelho, a maior entre os cidadãos da União Europeia, a que o país deixou de pertencer em 2020. Seguem-se os italianos e os franceses (ver quadro). Há 34 358 britânicos e 25 408 italianos residentes em todo o país.
“Estou em casa”
Sentados numa mesa em frente ao Crown Bar estão duas britânicas e um irlandês. Bebem um copo de vinho, que é a bebida preferida dos estrangeiros por estes lados. Os três não viajaram para o Reino Unido desde que surgiram os primeiros casos de covid-19.
“Estou em casa e, com a pandemia, o melhor sítio para ficarmos é em casa”, responde muito simplesmente Karen Beech quando lhe perguntamos porque se manteve por cá. É natural de Londres, cidade que costumava visitar uma ou duas vezes por ano. Tem 48 anos e vive em Portugal há 28, ou seja, mais anos em território português do que em Inglaterra. É proprietária do O”Luain”s Irish Pub.
A sua preocupação é respeitar as regras para diminuir a possibilidade de se infetar. As principais queixas têm que ver com a dificuldade na circulação de mercadorias. “Importávamos alguns produtos do Reino Unido, nomeadamente bebidas, e agora não podemos por causa da covid-19”, justifica.
Partilha a mesa com Zoe, 33 anos, que vive na vila há nove. Emigrou para se casar com um português, precisamente de apelido Cascais. Ela é de Herefordshire, no noroeste de Inglaterra. “Fiquei por cá mas nem é por causa dos números da covid no Reino Unido, mas porque é mais seguro não viajar. Em relação aos novos casos da doença, parece um pingue-pongue. A situação está mal no Reino Unido e melhor em Portugal, depois é o inverso.”
O Reino Unido tem um total de 4 404 882 infetados (64 610 por milhão de habitantes) e a Itália 3 962 674 (65 619 por milhão). Ambos os países têm uma proporção maior de vítimas mortais de covid-19 do que Portugal, que é de 1668 mortes por milhão de habitantes. A proporção britânica é de 1977 por milhão e a francesa, 1668.
Em relação à vacinação contra a covid-19, o Reino Unido está bastante à frente comparativamente aos países da UE, nomeadamente por produzir a AstraZeneca. Metade da população recebeu pelo menos uma dose da vacina. Não será isso que faz os três britânicos regressarem “Estamos confiantes de que a vacinação vai acelerar em Portugal”, acredita Zoe Cascais.
Derek Davis, 46 anos, está há dez anos em Portugal, trabalha no pub de Karen. “Sinto-me seguro em Portugal. Não estou a pensar viajar, só quando tiver a vacina”, diz.
David Thomas vive no Algarve e, em 2012, fundou a Safe Communitees Portugal , estabelecendo uma ligação direta com as autoridades portuguesas na prevenção de crimes. A pandemia obrigou-os a desviar o foco da ação para as regras de combate à nova doença, trabalhando com os estrangeiros que aqui têm residência, não só reformados mas também quem está no ativo, como foi o seu caso quando chegou a Portugal. Tem 70 anos.
“Este ano foi muito diferente devido ao confinamento. Algumas pessoas acabaram por ficar em Portugal durante todo o tempo, outras mantiveram-se no seus países por não poderem viajar. Houve muita dificuldade em viajar para o Reino Unido por falta de voos diretos”, explica David Thomas.
Quanto à situação da doença nos dois países, Thomas considera que o saldo é mais positivo para Portugal. “Falo com base nas estatísticas. O número de infetados está a descer, também o R(t) [índice de transmissibilidade]. A nível das hospitalizações, a descida foi na ordem dos 90%, o governo reagiu muito bem a uma situação difícil. E, em Portugal, as pessoas comportam-se melhor do que em outros países.”
FONTE: Este conteúdo foi originalmente publicado pelo Diário de Notícias, um jornal sediado em Lisboa e fundado em 1864.