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Ucranianos viram 2ª maior comunidade estrangeira em Portugal atraídos por legalização imediata

abr 6 2022

Atraídos por um programa de regularização imediata que garante permissão para trabalhar e utilizar os sistemas de saúde e de segurança social, mais de 27 mil ucranianos já pediram abrigo em Portugal.

Assim, após a invasão russa, a comunidade ucraniana em território luso praticamente dobrou de tamanho, saltando da quinta para a segunda posição entre as nacionalidades estrangeiras mais presentes no país.

Agora, com cerca de 55 mil pessoas, os ucranianos só estão atrás dos brasileiros, que oficialmente contam 209 mil residentes legais em Portugal, que tem cerca de 10,1 milhões de habitantes.

O número de refugiados acolhidos pelos portugueses é, claro, bem menor do que a cifra que se dirigiu a nações vizinhas à Ucrânia, como a Polônia, aonde já chegaram mais de 2,4 milhões de pessoas, mas é significativo em comparação a países europeus maiores e com economias mais pujantes.

Até agora, cerca de 25 mil ucranianos obtiveram a permissão temporária para permanecer na vizinha Espanha, enquanto aproximadamente 30 mil foram recenseados após entrarem na França.

Além da agilidade na criação de um mecanismo formal de acolhimento por parte do governo, a mobilização da comunidade ucraniana que já residia no país foi fundamental para popularizar Portugal como um destino atraente aos refugiados, apesar dos mais de 3.000 km que separam os dois países.

Desde os anos 1990, Portugal tem uma bem estabelecida comunidade ucraniana. Em 2020, havia cerca de 28,6 mil ucranianos residindo legalmente no país, embora o número real fosse maior, já que a conta exclui quem tem dupla cidadania portuguesa, que pode ser solicitada após cinco anos de residência no país.

Os ucranianos em Portugal se mobilizaram em várias frentes. Criada em 28 de fevereiro, quatro dias após o início da guerra, a associação Ukrainian Refugees UAPT já fretou quatro aviões para levar refugiados a Portugal e também enviou toneladas de alimentos e outros itens de ajuda humanitária até a fronteira.

“Portugal está promovendo muito ativamente sua disposição em apoiar os refugiados, o que ajuda quando as pessoas estão no processo de escolha para onde ir. Tem oferecido mais ajuda do que a Espanha, por exemplo”, diz a ucraniana Katerina Shepeliuk, 31, que participa ativamente no processo de acolhimento em Portugal por meio da iniciativa From Ukraine to Portugal (da Ucrânia para Portugal).

Logo após o começo do conflito, ela e o marido, o português David Carvalhão, montaram um site com informações que iam de opções de transporte e alojamento a questões práticas sobre impostos e matrícula em escolas. O projeto se expandiu para uma plataforma que ajuda a procurar casa e emprego, além de recolher doações e inscrições de empresas e indivíduos dispostos a ajudar os refugiados.

Nascida em Donetsk, que desde 2014 é controlada por rebeldes separatistas pró-Rússia, a especialista em redes sociais afirma enfrentar os horrores da guerra pela segunda vez na vida. “Em 2014, minha casa e cidade foram destruídas. Minha família se mudou para Irpin, nos arredores de Kiev, para refazer a vida. Agora, mais uma vez, os russos destruíram tudo”, diz ela, que não esconde a emoção ao falar do conflito.

Aproveitando uma janela entre os ataques russos, parte da família de Katerina conseguiu escapar da cidade junto com vizinhos. “Eram nove pessoas, três cachorros, dois papagaios e algumas malas num carro”, relata ela, que acolheu tanto os familiares como os vizinhos em Figueira da Foz, no norte do país.

Segundo ela, ainda é cedo para prever como será a integração dos refugiados à vida portuguesa. No momento, a maioria ainda está à procura de emprego e de acomodações permanentes. “Há muitos profissionais qualificados na área de tecnologia, que também estão disponíveis para trabalhar remotamente, inclusive para o Brasil. Pode ser uma ótima alternativa de trabalho qualificado.”

Embora o mercado português tenha agora um déficit de mão de obra em vários segmentos, com taxa de desemprego de 5,8% em fevereiro, abaixo dos 6,8% da média da zona euro no mesmo período, os profissionais ucranianos enfrentam, além da barreira linguística, as baixas remunerações no país.

Portugal tem um dos salários mínimos mais baixos da Europa: 705 euros mensais, cerca de R$ 3.570.

Formada em administração de empresas, a ucraniana de Kiev Anastasia Petrova, 44, avalia aceitar uma vaga como camareira em um hotel da capital portuguesa. “As pessoas são muito simpáticas, e o processo burocrático foi simples. O problema é que as casas são muito caras aqui, e eu tenho logo de começar a ganhar dinheiro”, diz ela, que chegou ao país com a filha. O marido e os pais permanecem na Ucrânia.

Dos mais de 26 mil ucranianos que solicitaram refúgio em Portugal, cerca de um terço é formado por menores de idade. O governo anunciou um programa especial de acolhimento nas escolas, incluindo aulas de português. As medidas também abarcam cidadãos de outras nacionalidades que viviam na Ucrânia e foram afetados. Do total de pedidos recebidos até agora, cerca de 5% foram feitos por não ucranianos.

Para garantir mais celeridade, o processo de refúgio pode ser enviado online, numa plataforma disponível em inglês, português e ucraniano —a proteção temporária tem validade de um ano e é prorrogável por dois períodos de seis meses.

Além da iniciativa nacional, várias cidades portuguesas, como Lisboa, Cascais e Loures, criaram polos de acolhimento, e organizações da sociedade civil lançaram projetos de auxílio. Um dos mais procurados tem sido o serviço gratuito de profissionais inscritos na Ordem dos Advogados de Portugal.

Médicos, contadores, professores e outras categorias também têm organizado mutirões de apoio, espelhando o largo consenso político no país em torno da questão, da esquerda à direita radical.

Dias antes de deixar o Ministério dos Negócios Estrangeiros para assumir a presidência da Assembleia da República, Augusto Santos Silva disse que Portugal ainda tem capacidade para receber mais refugiados.

“Não trabalhamos com um limite [de refugiados]. Nos anos 1990, os ucranianos foram essenciais para o crescimento econômico português e para o desenvolvimento das nossas infraestruturas. À época, chegamos a ter 80 mil ucranianos residentes no país. Portanto, ainda estamos muito longe daquilo que é a capacidade de absorção da nossa sociedade”, afirmou, em entrevista à imprensa estrangeira no país.

 

FONTE: Este conteúdo foi originalmente publicado Folha de São Paulo, um jornal brasileiro editado na cidade de São Paulo e jornal de maior circulação do Brasil.

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