Poderia ser a língua o principal atrativo. Ou, então, as relações históricas que unem os dois países. Mas no topo da lista de motivos que levam brasileiros a escolherem Portugal como destino para os estudos despontam cada vez mais as características cosmopolitas que se enraízam nas terras lusitanas.
A radiografia do ensino superior português ajuda a entender: em cada um dos últimos cinco anos letivos, estudantes estrangeiros corresponderam a 15% do total de inscrições para licenciaturas, mestrados, doutorados (ou doutoramentos, como se fala em Portugal) e cursos técnicos.
Brasileiros lideram entre as nacionalidades e são seguidos por cabo-verdianos, guineenses e angolanos. Na sequência estão os europeus, como franceses, italianos e espanhóis. Assim, a sala de aula de uma universidade ou instituto politécnico português virou sinônimo de convivência com a vasta comunidade lusófona dos países africanos e também com a União Europeia (UE).
O intercâmbio cultural no ensino superior lusitano é potencializado por programas e tratados dos quais Portugal faz parte. Um deles, o programa Erasmus, permite que universitários recebam bolsa para cursar de três a 12 meses em uma universidade de outro país da UE —brasileiros que estudam em Portugal também podem se beneficiar. Somente em 2017, o país enviou 9.600 alunos para outras nações e recebeu 15,2 mil. Os principais destinos são Itália, Espanha e Polônia.
Outra alavanca para a globalização no ensino superior é o fato de o diploma adquirido na universidade portuguesa ser válido para toda a comunidade europeia e outros países de fora do bloco, algo assegurado pelo processo de Bolonha. “As instituições em Portugal costumam ter alunos de 60 a 80 nacionalidades diferentes, tanto que muitos cursos são ministrados completamente em inglês”, explica Higor Cerqueira, fundador da startup Estude em Portugal. “Essa comunidade global é um dos principais benefícios.”
Brasileiro, Cerqueira estudou no Instituto Politécnico de Bragança durante seis meses, em 2016, por meio de um intercâmbio com o Instituto Federal do Rio de Janeiro. Decidiu ficar em Portugal e, para ajudar brasileiros a escolherem as melhores opções de estudo no país europeu, criou a startup há três anos.
Para os brasileiros, são duas as principais portas de entrada para as licenciaturas lusitanas. Aqueles que têm dupla cidadania ou, então, ascendência de algum país da UE até a segunda linha (pais e avós) devem concorrer pelo concurso nacional de acesso, prestado em Portugal. Os demais podem buscar uma vaga pelo Estatuto do Estudante Internacional, decreto-lei que prevê, entre outros pontos, a possibilidade de usar a nota do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) para ingressar em licenciaturas portuguesas.
O interesse tem crescido nas duas possibilidades. Em 2019, 2.838 brasileiros se matricularam pela primeira vez em um curso superior em Portugal por meio do regime do estudante internacional —crescimento de 77% em relação a dois anos antes, quando foram 1.605. No mesmo período, saltou de 156 para 225 o número de brasileiros que se matricularam no primeiro ano por meio do concurso nacional de acesso, crescimento de 44%. Os dados são da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência.
Ainda que a maior fatia dos brasileiros que procuram Portugal para os estudos realize todo o curso no país europeu, há também ampla procura pela modalidade na qual o estudante faz o intercâmbio para obter créditos posteriormente reconhecidos pela instituição de origem no Brasil —a mobilidade acadêmica.
Pesquisa realizada pela Belta (Associação Brasileira de Agências de Intercâmbio) em 2019 com cerca de 3.000 estudantes de 15 a 30 anos ranqueou Portugal na 15ª posição como destino mais procurado para mobilidade, sete posições à frente de onde estava dois anos antes.
O crescimento constante na demanda tem sido observado por quem trabalha na área. A brasileira Cris Lazoti, fundadora e diretora da EduPortugal, consultoria educacional que atua no país desde 2017, afirma que a procura cresce não apenas por parte daqueles que estão iniciando sua formação profissional e acadêmica, mas também por profissionais que querem incrementar o currículo e atuar na Europa.
“Temos estudantes com 30 anos de profissão e que mudam para Portugal e voltam para a universidade, para fazer o prosseguimento de estudos, tirar o diploma e ter o direito de exercer a profissão aqui”, diz.
Terreno fértil para trocas culturais, Portugal traz outros benefícios relacionados aos objetivos de cada estudante. Também é preciso, porém, ficar atento a alguns aspectos.
O PAÍS
De acordo com Lazoti, da EduPortugal, um dos principais atrativos para os estudantes que buscam o país é a segurança. A última edição do Índice Global da Paz (GPI, na sigla em inglês), que mede o nível de paz e a ausência de violência em 163 nações, indicou Portugal como o quarto país mais pacífico do mundo —e o terceiro da Europa. O Brasil ocupa a 128ª posição.
As relações diplomáticas luso-brasileiras também somam pontos positivos. O Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta, assinado em 2000, por exemplo, permite que estudantes brasileiros requisitem o estatuto de igualdade e, assim, gozem dos mesmos direitos civis dos cidadãos portugueses. Com o benefício em mãos, é possível reduzir o valor das mensalidades (ou propinas, como se fala em Portugal).
No caso dos luso-descendentes que disputam uma vaga por meio do concurso nacional de acesso, é possível pleitear, junto ao consulado, a utilização de uma cota especial de ingresso nas universidades portuguesas, correspondente a 7% das vagas. Para isso, porém, o estudante deve comprovar que mora ou morou, por ao menos dois anos, com um familiar emigrante português.
OS CUSTOS
Portugal tem universidades privadas e públicas. Mas diferentemente do Brasil, em terras lusitanas ambas são pagas. Subsídios do governo e da comunidade europeia barateiam o preço das instituições públicas.
Segundo análise da EduPortugal, o valor médio do curso de graduação nas universidades portuguesas gira em torno de 4.000 a 4.500 euros por ano (cerca de R$ 28 mil). No mestrado, o preço varia de 2.000 a 2.500 euros (R$ 15,5 mil). No doutorado, 2.000 euros (R$ 12,5 mil). No caso de estudantes com dupla cidadania ou ascendência portuguesa que concorrem pelo regime nacional, o valor médio da graduação cai para 697 euros (R$ 4.300).
Há a possibilidade de conseguir bolsas. Algumas instituições ofertam o benefício por mérito acadêmico que subsidiam de 20% a 100% do valor das mensalidades. A CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) também oferece algumas (acompanhe aqui).
Cris Lazoti, da EduPortugal, e Higor Cerqueira, da Estude em Portugal, porém, salientam que o estudante deve ter um planejamento financeiro e uma reserva de emergência para cobrir os custos.
No momento de adquirir o visto para a viagem, é preciso comprovar os meios de subsistência. Brasileiros que permanecerão por menos de um ano em Portugal devem obter o visto de estada temporária. Já os que ficarão por mais de um ano devem obter o título de residência para fins de estudo de longa duração.
É possível trabalhar no país paralelamente ao curso superior, mas a opção é pouco acessível. “A grade de estudos é muito irregular em Portugal, o que dificulta conseguir emprego com horário fixo”, explica.
Cerqueira observa que cada vez mais estudantes têm buscado instituições de ensino baseadas em cidades interioranas, com custo de vida menor. O principal motivo é o preço da moradia. Quartos em Bragança (norte do país) custam entre 150 e 200 euros, por exemplo. Já os quartos na capital, Lisboa, vão de 400 a 500 euros. “O valor varia mais de acordo com a região do que com a instituição de ensino.”
CARREIRA
A possibilidade de estudar em Portugal também agrega pontos positivos ao currículo. Laís Vasconcelos, especialista em recrutamento da consultoria Robert Half, diz que os principais ganhos estão no campo das competências comportamentais —as chamadas “soft skills”—, cada vez mais valorizadas.
Vasconcelos, ex-aluna da Universidade de Coimbra, lista a ampliação da rede de contatos e a capacidade de conhecer outras formas de viver, estudar e trabalhar como habilidades adquiridas no exterior que se refletem de forma positiva no momento de buscar empregos.
“Quando me deparo com um intercâmbio ou a possibilidade de trocas internacionais no currículo, já presumo que esse profissional passou por situações de saber lidar com pressão, viver em um ambiente multicultural e ter resiliência. Acaba impulsionando as características comportamentais do candidato.”
FONTE: Este conteúdo foi originalmente publicado Folha de São Paulo, um jornal brasileiro editado na cidade de São Paulo e jornal de maior circulação do Brasil.