Há uma grande hipótese do prolongamento das características dos fluxos migratórios para Portugal deste ano. O movimento de refugiados ucranianos diminuiu nos últimos meses mas irá manter-se. O prolongamento da guerra, fará com que haja uma consolidação de alguns em Portugal. A vinda de brasileiros, apesar de uma grande expectativa pela chegada de Lula da Silva, irá continuar, o que dependerá da economia portuguesa. O que motiva estes fluxos é a dinâmica do mercado de trabalho, o que também acontece com a emigração portuguesa”, explica Jorge Malheiros, geógrafo e investigador do Centro de Estudos Geográficos do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território, da Universidade de Lisboa.
Muitos portugueses saíram durante a crise de 2008-2013, cerca de 100 mil por ano entre permanentes e temporários, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE). “Entre 2011 e 2014, deixaram o país mais do dobro das pessoas que entraram. O elevado predomínio das saídas face às entradas começou a inverter-se a partir de 2015, e desde 2019 que os imigrantes representam mais do dobro dos emigrantes”, refere a Pordata no Retrato de Portugal, apresentado há uma semana. O INE considera “imigrantes” os portugueses que regressam ao país.
“A imigração estrangeira tem alguma diversificação de perfis: a comunidade brasileira é o maior grupo desde 2006. Há um momento de alguma retração durante o período de austeridade e, quando a situação económica do país melhorou, os brasileiros voltaram, muitos para os serviços, mas também com qualificações intermédias e mais elevadas. E existem os fluxos migratórios da Ásia do Sul, que começaram na década passada e acentuaram-se nos últimos cinco anos, sobretudo da Índia, Bangladesh e Nepal, mas também do Paquistão, o que está ligado a atividades quer de baixa qualificação quer a algum empreendedorismo na restauração. A vaga da Europa de Leste diminuiu substancialmente, por alteração das condições em Portugal e pela sua substituição por outros países, até à guerra”, caracteriza o geógrafo.
Os naturais da Ásia reforçam as populações rurais, que têm uma grande escassez de mão de obra para a agricultura. Também os brasileiros se distribuem pelo país, mas esses procuram as pequenas cidades. “Em 2022 verifica-se, pelo sétimo ano consecutivo, um acréscimo da população estrangeira residente, totalizando 757 252 cidadãos estrangeiros titulares de autorização de residência”, informou ao DN o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).
Voltou a entrar um grupo muito expressivo de residentes na Ucrânia que fugiram depois da invasão pela Rússia, a 24 de fevereiro. Portugal concedeu proteção temporária a 56 382 (até esta segunda-feira), a maioria espera que a guerra acabe para regressar ao país e muitos já o fizeram. Segundo o SEF, 1500 pediram o cancelamento do visto.
Ihor Ostrovskyi chegou a Portugal em março com toda a família. Passados nove meses, com o conflito armado sem fim à vista, pondera ficar. Tem 57 anos e é professor de Física no Instituto Politécnico de Lviv, com quem mantém contacto, nomeadamente no acompanhamento de alunos à distância. A mulher é psicóloga. O cunhado em Portugal ajudou-os no percurso de fuga, primeiro num avião para a Polónia, depois numa carrinha. Conseguiu sair por ter a seu cargo a filha deficiente, de 35 anos, além de outra de 15, o pai de 87 e a mãe de 82. É mediador na Associação dos Ucranianos em Portugal. “Fazer projetos para o futuro é difícil. A família é grande e não sabemos quando a guerra irá acabar. A intenção era voltar, mas estou indeciso. A minha mulher e a minha filha querem ficar em Portugal”, diz o professor.
Já Kateryna Chepchur fugiu com a filha mais nova, sempre com a esperança de regressar (aliás, voltaram à Ucrânia nestas festividades). O marido é um quadro militar ucraniano. A economista, de 45 anos, veio da região de Kiev, em abril, e não tem dúvidas. “Esperava que a guerra acabasse depressa mas, infelizmente, está a prolongar-se. Vim pela segurança da minha filha mais nova (11 anos), mas tenho lá a mais velha (24 anos), o meu marido, os meus pais. Temos uma boa casa e tínhamos uma boa vida antes da guerra”.
Não conseguiu arranjar emprego em Portugal, apenas atividades pontuais. Faz voluntariado numa organização não governamental. Trabalha numa cozinha na elaboração de cabazes alimentares.
Veio numa caravana humanitária até à Azambuja, onde viveu algum tempo. Depois, alugou uma casa em Lisboa com uma amiga e aderiram ao programa Porta de Entrada. Este consiste no apoio ao alojamento para situações de emergência – comparticipam pelo menos 70 % da renda – e tem a duração de 18 meses. É de âmbito nacional, mas é articulado com as câmaras municipais. Poucas aderiram, ao contrário do que fez a câmara de Lisboa.
O DN encontrou-se com a Kateryna e Ihor no centro de assistência a refugiados ucranianos “Todos Aqui”. É um projeto piloto da Associação dos Ucranianos em Portugal, com a colaboração da Câmara Municipal de Lisboa, que cedeu o espaço e, também, funcionários. ” O objetivo é receber, integrar e acolher os refugiados vindos da Ucrânia para que tenham uma vivência digna”, explica Afonso Nogueira, coordenador do projeto, lançado a 6 de maio.
FONTE: Este conteúdo foi originalmente publicado pelo Diário de Notícias, um jornal sediado em Lisboa e fundado em 1864.