Os prazos de tramitação dos processos de concessão da nacionalidade portuguesa chegam a ultrapassar dez vezes os períodos legais definidos por lei. A demora na instrução destes processos é assumida pelo Ministério da Justiça, que atribui o não cumprimento dos prazos ao “exponencial aumento do número de pedidos de nacionalidade entrados nos serviços do Instituto dos Registos e Notariado”” nos últimos anos. De acordo com dados do ministério tutelado por Francisca Van Dunem a média anual de pedidos passou dos 100 mil, até 2016, para os 160 mil a partir de 2017.
Em 2021, e apesar da pandemia, a média de novos processos foi de “aproximadamente 11 mil” por mês, justifica o ministério, em dados enviados à Assembleia da República em resposta ao parlamentar comunista António Filipe. O deputado questionou a tutela sobre o atraso nos prazos para a tramitação dos pedidos de nacionalidade que, apesar de estarem expressamente previstos na lei, são largamente ultrapassados.
Segundo os prazos publicitados no site do Instituto de Registos e Notariado (IRN), o pedido de nacionalidade para adultos deve prever, atualmente, “entre 24 a 29 meses desde a entrega do pedido até ao registo final da nacionalidade”, isto para os pedidos que “apresentam desde logo todos os documentos necessários e o requerimento corretamente preenchido”.
Na mesma informação é acrescentado que decorrem “cerca de nove a 11 meses de preparação entre a entrega do pedido e o início da análise”. Prazos muito para lá – dez, onze vezes mais – daqueles que estão estabelecidos no Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, que define os períodos para a tramitação e decisão destes processos, e que determina que a conservatória dos registos centrais “analisa sumariamente o processo” no prazo de “30 dias contados a partir da data de receção das declarações”, notificando então o interessado para suprir, no prazo de 20 dias, deficiências que tenham sido detetadas.
Passando à fase seguinte, a “análise e as respetivas diligências têm uma duração normal de nove a 12 meses”, isto quando o citado regulamento estabelece um prazo de 60 dias, acrescido de 30 para resposta do visado caso a decisão seja pelo indeferimento. “A decisão e o registo final ocorrem seis a oito meses após finalizar a análise”, adianta ainda o Instituto de Registos e Notariado, sublinhando novamente que estes são os prazos que se aplicam quando tudo corre bem – os “prazos serão mais longos se o processo não estiver completo e correto desde o início e for necessário pedir documentação complementar”.
Na resposta enviada à Assembleia da República o Ministério da Justiça reconhece a discrepância nos prazos: “O IRN não ignora a existência de disposição legal expressa quanto aos prazos de análise dos processos de aquisição de nacionalidade. No entanto, entendeu dever esclarecer os cidadãos/interessados através da publicitação do prazo expectável para a análise dos requerimentos”. De acordo com os serviços tutelados por Francisca Van Dunem, um processo de atribuição de nacionalidade por filiação demora, em média, “entre duas semanas a 15 meses” – “os processos mais rápidos são os de atribuição a menores com fundamento na filiação de progenitor português porque a sua análise não é juridicamente tão exigente”.
Já os processos de aquisição da nacionalidade por efeito da vontade têm uma “demora média entre 14 e 20 meses”. Estes casos reportam-se a filhos menores ou maiores acompanhados de pai ou mãe que adquira a nacionalidade portuguesa, e a uniões de facto ou casamento durante mais de três anos com um cidadão português.
Quanto aos processos de aquisição de nacionalidade por naturalização (que implicam residência legal no país por um período de pelo menos cinco anos) demoram, em média, 19 meses a ser processados. Em qualquer dos casos trata-se de tempos médios que podem, portanto, ser ultrapassados – a demora na decisão destes processos é, aliás, uma queixa recorrente.
Ministério promete plano de contingência
Sem avançar datas para a concretização das medidas que permitam encurtar os processos para os prazos estabelecidos na lei, o Ministério da Justiça garante que está a tomar providências para ultrapassar esta situação. Nomeadamente com a implementação, “a breve curso”, de um “novo sistema de suporte aos serviços de registo competentes”, o que conduzirá a “uma significativa redução do tempo médio de tramitação e decisão dos pedidos”.
Afirmando-se “particularmente sensível à necessidade de uma melhor prestação de serviços ao cidadão”, o ministério afirma também na resposta ao PCP que será implementado um “plano de contingência especialmente direcionado à recuperação da pendência de processos”. Em cima da mesa fica, igualmente, a atribuição de “competência para a tramitação de pedidos de nacionalidade a outros serviços de registo existentes no território nacional”.
O número de pedidos – e concessões – da nacionalidade portuguesa tem vindo a aumentar significativamente nos últimos anos, devido quer ao aumento dos fluxos migratórios, quer às alterações à lei. Em 2020, como noticiou o DN, foi concedida nacionalidade a 149 157 pessoas – o maior número de sempre, 2 % acima do ano anterior. De 2021 apenas são conhecidos dados parcelares até ao mês de abril – foram decididos favoravelmente 56 550 processos. Brasileiros e israelitas (desde 2013 os descendentes de judeus sefarditas portugueses podem pedir a nacionalidade) lideram a lista de novos portugueses.
FONTE: Este conteúdo foi originalmente publicado pelo Diário de Notícias, um jornal sediado em Lisboa e fundado em 1864.