Mais que uma porta de entrada para livre acesso ao turismo pela Europa, como foi no passado pré-pandemia, o passaporte português virou um bem ao receber o renovado status informal de herança familiar.
Na pandemia de Covid-19, mais de 20 mil brasileiros pediram cidadania portuguesa, um aumento de 108% em relação a 2017, ano em que a comunidade brasileira no país voltou a crescer.
Impulsionadas pelos recentes efeitos econômicos da pandemia de Covid-19, famílias brasileiras buscam nas raízes europeias um investimento seguro para um futuro com mais oportunidades para os filhos.
Entre os principais motivos para os brasileiros pedirem a cidadania europeia, além da herança, está a crise econômica. Em 2020, a economia brasileira teve a pior década em 120 anos, com ameaça ao futuro dos jovens com desemprego e recessão prolongada.
Uma pesquisa feita pela empresa Cidadania 4u revelou a mudança de comportamento acelerada pela pandemia. Antes de março de 2020, 25% dos pedidos eram feitos para transmitir a cidadania para os filhos. Após as quarentenas, o número aumentou para 38%.
Ao mesmo tempo, os pedidos feitos com intenção de ter acesso à livre circulação na União Europeia para turismo caíram de 30% para 17%. E a fatia daqueles que visam apenas descobrir a conexão com antepassados desceu de 17,2% para 6,8%.
O empresário paulista Marcelo Barroso é um dos que enxergam a cidadania como habilitação a mais para os filhos Thor, 7 anos, e Yasmin, 8. Ele diz que ele e a mulher, Camila, pensam em emigrar e estão em fase de preparação e aprendizado.
Quando questionado sobre o principal objetivo para o pedido de cidadania portuguesa, respondeu:
– Um futuro melhor para os meus filhos.
Eles ainda não ligam muito para turismo na Europa e não conhecem Portugal, mas preveem mais oportunidades, segurança e qualidade de vida no horizonte.
– Quando há filhos, sempre procuramos um plano B. Queremos que eles tenham uma vida e oportunidades melhores do que nós tivemos – contou Barroso.
Um conjunto de fatores fez com que Juliana Binotto pedisse a nacionalidade italiana, ainda que o principal motivo seja a transmissão hereditária para Alessandro, 6 anos, e Antonella, de três meses.
– (Objetivo principal) é transmitir a cidadania aos meus filhos. Sempre quis morar na Itália, mas nunca tive uma oportunidade clara. Agora, as condições no Brasil estão cada dia piores e sair do país está se tornando uma opção. A má situação política leva a uma má situação econômica. Houve um retrocesso imenso nos últimos cinco anos – contou Binotto, gaúcha de Campinas do Sul e que também nunca foi à Europa.
Já Andrey Amorim fez um intercâmbio na Irlanda em 2016 e ficou interessado em voltar, mas com a cidadania portuguesa.
– Penso em ir morar fora quando terminar a faculdade e sei o quanto facilita ser cidadão europeu para emprego e moradia quando somos imigrantes. A situação em que vivemos em nosso país reforça ainda mais esta decisão de criar uma vida fora do Brasil. Confesso que o processo está sendo um pouco caro por conta de documentação – declarou Amorim.
Um processo como o de Binotto, Amorim e Barroso custa entre R$ 8 e R$ 10 mil. Pode envolver pesquisa documental em cartórios remotos de cidades do interior. E pode levar tempo, dependendo da modalidade de transmissão e dos trâmites burocráticos.
Para Rafael Gianesini, diretor comercial da Cidadania 4u, poderá haver um salto nos índices de pedidos até o fim de 2021 devido ao cenário brasileiro.
– A maior parte de nossos clientes está preocupada com as situações econômicas e políticas no Brasil: Tentam criar novos caminhos para trabalhar, estudar ou dar uma vida melhor para suas famílias – disse Gianesini.
FONTE: Este conteúdo foi originalmente publicado pelo O Globo, um jornal diário de notícias brasileiro, fundado em 29 de julho de 1925 e sediado no Rio de Janeiro.