Quer seja por questões económicas ou sociais Portugal tem sido, nos anos mais recentes, a escolha de muitos imigrantes brasileiros que procuram oportunidades de trabalho, segurança e qualidade de vida. E para quem tem crianças a estudar, o rigor do ensino português é mais uma vantagem. E este é o caso da família Thompson, que em maio de 2019 escolheu a cidade de Vila Nova de Gaia para começar um novo capítulo em Portugal.
Cansados dos perigos diários do Rio de Janeiro, Liana, Cadu, Miguel e Matheus vieram à procura de um recomeço e com a ajuda de uma amiga que aqui vivia, fizeram da cidade portuguesa a sua nova casa.
Apesar de muito jovens, Miguel, agora com 13 anos, e Matheus, com 8 anos, enfrentaram desafios com a mudança para um novo país: entre eles a entrada numa nova escola a meio do ano letivo, na qual o tipo de ensino se distancia do que estavam habituados.
“Quando viemos para Portugal, o Matheus ainda estava na pré-primária então não teve muitos problemas porque ainda não tinha começado a aprendizagem na escola. Mas o Miguel teve de repetir o quarto ano, porque não tinha chegado a concluí-lo no Brasil”, explica Liana Thompson ao DN. “No Brasil eles estudavam num colégio particular e aqui estudam na escola pública. No início sentiram diferença nos horários da escola, visto que aqui ficam todo o dia em aulas. Mas a maior dificuldade foi a comida… tiveram de se habituar a uma rotina diária em que comem na cantina que tem uma ementa muito diferente”, continua.
Graças à professora que recebeu Miguel na Escola Básica das Devesas e ao apoio da Associação de Pais das Devesas, a transição escolar do Brasil para Portugal foi “tranquila”, assegura a mãe. O jovem foi colocado numa turma mista, que juntava alunos do 3.º e 4.º ano, e que tinha muitas crianças imigrantes de vários países: “Todos os alunos da turma estavam pela primeira vez naquela escola e com a mesma professora e isto ajudou muito na adaptação. O processo integrativo foi bom porque nos deram muito suporte”.
Em termos de adaptação ao país, Liana admite que o enquadramento escolar permitiu uma integração mais fácil das crianças. “Acaba por ser mais difícil para os pais quando temos de ajudar nos trabalhos de casa e vemos muitas diferenças na língua”, como por exemplo a acentuação e alguns nomes técnicos da gramática que são muito diferentes no Brasil. “O Miguel teve de reaprender muitas coisas que já sabia, mas com designações diferentes”, admite. Segundo Liana, mudar-se para um país que adota o mesmo idioma foi uma grande vantagem. Porém, a família encontrou algumas diferenças significativas que obrigaram a uma adaptação linguística. “Antes de virmos para Portugal fizemos um estudo com as crianças sobre as diferenças na língua e algumas palavras que não eram adequadas ou que tinham significados diferentes. Mas quando chegamos descobrimos uma outra língua portuguesa”, diz.
Liana considera que o ensino em Portugal é mais lúdico e inclui um maior número de atividades com os alunos. “Ainda que comparando uma escola particular brasileira e uma escola pública portuguesa, considero que o ensino em Portugal é melhor e tem mais qualidade em relação ao Brasil. A educação que os meus filhos têm agora é superior e mais exigente, principalmente na questão da língua inglesa, que eles começam a aprender muito cedo”. Aliás, Liana destaca ainda a integração das disciplinas de Educação Visual (E.V.), Educação Tecnológica (E.T.) e Música, que não fazem parte do currículo escolar no Brasil.
Não só a situação escolar é superior, como também a realidade social de Vila Nova de Gaia em comparação ao Rio de Janeiro, segundo a família. “A minha vida em Portugal tem sido maravilhosa. Aqui há a segurança que não temos no Brasil, especialmente no Rio de Janeiro que está muito violento. Não podíamos sair à rua com telemóvel e tínhamos de ensinar às crianças como evitar assaltos, aqui andamos tranquilos na rua. Além disso, fomos muito bem acolhidos. Sei que por vezes acontece casos de xenofobia, mas particularmente nunca sentimos qualquer discriminação”, testemunha.
“É difícil recomeçar a vida do zero aos 40 anos, mas não me arrependo de nada. Vale muito a pena e as crianças têm uma melhor qualidade de vida”, conclui.
Escolas também testemunham os desafios
A escola é um dos fatores que mais preocupa as famílias brasileiras que decidem mudar-se para Portugal. Quer transitem de país no início ou durante o ano letivo, a adaptação dos jovens com a matéria e com a cultura portuguesa é um “medo” dos pais que exige a adoção de estratégias de integração.
Ao DN, Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), conta que “tem havido um aumento exponencial de alunos vindos do Brasil”, que tem obrigado as escolas a “adequarem-se a esta realidade”.
Segundo Filinto Lima, os dois grandes motivos que os pais testemunham para a mudança de país são a segurança e qualidade da escola pública de Portugal. “Os pais brasileiros reconhecem que a educação portuguesa tem bastante qualidade e que existe um estilo de vida mais seguro comparando com as escolas no Brasil”, diz.
Assim sendo, conforme o dirigente, a língua é uma vantagem na transição escolar dos alunos para Portugal e não existe “qualquer barreira” nesse sentido, “ao contrário do que acontece com muitos alunos vindos da Ucrânia”, por exemplo. “Os professores adequam as suas práticas diárias às necessidades dos alunos, mas não sinto que haja muita dificuldade a nível da comunicação, nem há constrangimentos em lidar com estes alunos. Poderá haver sim haver uma barreira dos usos, dos costumes e até da gastronomia”, frisa.
Embora os alunos sejam colocados no ano de escolaridade segundo o processo de equivalências, determinado pelo certificado de habilitações, Filinto Lima garante que existem alguns casos de alunos com dificuldades na aprendizagem, muito provocada pelo facto de haver um atraso na matéria ensinada no Brasil. Nesses casos, as escolas “acodem a essas realidades diferentes de forma que a que se viabilize um processo de ensino-aprendizagem melhor possível”. “Para os alunos com dificuldades de aprendizagem tentamos dar algum apoio na disciplinas em que sintam mais dificuldades – quer seja matemática, história, geografia ou português, tal como fazemos com todos os alunos”, sublinha.
Com todos estes fatores positivos, na perspetiva do presidente da ANDAEP os alunos, na sua generalidade “sentem-se confortáveis e muito bem no em Portugal e gostam muito dos professores e do método de ensino português”.
Dificuldades no idioma e casos de xenofobia
Ainda que a experiência dos brasileiros nas escolas portuguesas demonstre ser maioritariamente positiva, existem fatores que podem dificultar a nova vida dos mais jovens, tais como a aprendizagem de uma diferente variante da língua portuguesa e a existência de casos de exclusão e discriminação, segundo Elisângela Rocha, da Associação Diáspora Sem Fronteiras.
“O número de imigrantes brasileiros nas escolas e universidades portuguesas é realmente muito significativo e um dos principais problemas da adaptação dos jovens que a associação tem testemunhado passa pela questão da língua. O sistema não estava preparado para o aumento exponencial de alunos do Brasil e em muitas escolas, a variante brasileira é vista como um problema. É como se não fosse tão legítima quanto a variante portuguesa da língua”, explica. Elisângela frisa que a integração, de um modo geral, “não tem sido fácil para as crianças brasileiras”. Isto porque ainda que algumas escolas “já tenham alguma preocupação” com as diferenças dos alunos estrangeiros, outras ignoram ou desvalorizam a adaptação.
Outros testemunhos apontam também para a ocorrência de casos de xenofobia e violência “naturalizada estruturada dentro das escolas” públicas. Comentários difamatórios e humilhações no espaço escolar levam ao registo de casos de bullying pela associação, que reforça a importância de fazer os alunos “compreender a questão da diversidade” com “campanhas que reforcem a valorização das identidades”. “Muitas vezes a própria escola institucionalmente coloca a diferença como um problema, o que se reflete na convivência entre os alunos e em casos de bullying em relação a alunos estrangeiros. É importante haver um processo contínuo sobre a questão da diversidade e a escola em si tem que ser pensada como um espaço diverso e seguro”, sublinha.
A Associação Diáspora Sem Fronteiras atua em Portugal desde meados de 2020. Desde a sua inauguração, tem contribuído para o movimento “Escola não violenta”, depois de tomar conhecimento de um episódio com uma criança brasileira autista que foi agredida na escola. Além disso, trata do apoio e acolhimento dos imigrantes brasileiros em Portugal, orientando para a sua regularização.
A realidade em dados
Atualmente, os brasileiros (31% da população estrangeira em Portugal) representam a maioria dos estudantes estrangeiros no país. Segundo dados disponibilizados pelo Ministério da Educação (ME), há 39 635 alunos com nacionalidade brasileira matriculados nas escolas, sendo 25 606 no ensino básico, 6500 no pré-escolar e 7527 no ensino secundário.
Já no ensino universitário, Portugal destaca-se no cenário internacional para os brasileiros que procuram uma experiência além fronteiras. Dos atuais 69 965 estudantes estrangeiros que frequentam o ensino superior em Portugal, o Brasil ocupa o primeiro lugar da lista com um total de 18 859 alunos, seguindo-se a Guiné-Bissau, Cabo Verde, Angola e Espanha. A maior parte, 15 663, estuda em universidades públicas e 3196 frequenta o ensino universitário privado. Lisboa (5929), Porto (4552), Coimbra (2054) e Braga (1290) são os distritos que registam mais alunos brasileiros nas universidades portuguesas, de acordo com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES).
39 635
Existem 39 635 alunos com nacionalidade brasileira matriculados nas escolas de Portugal – 25 606 no ensino básico, 6500 no pré-escolar e 7527 no ensino secundário, diz o ME.
18 859
O Brasil é o país com o maior número de estudantes a frequentar o ensino superior em Portugal – 18 859 alunos, num total de 69 965 estudantes estrangeiros.
FONTE: Este conteúdo foi originalmente publicado pelo Diário de Notícias, um jornal sediado em Lisboa e fundado em 1864.